quinta-feira, 20 de agosto de 2009

UMA HISTORINHA MUITO OUVIDA NAS NOITES DA MINHA INFÂNCIA

PENA QUE NÃO TEM SOM
PARA ESCUTAR A VOZ DA MARIA
NA HISTORINHA DA FIGUEIRA!
- Mãe, conta uma história pra gente.
- Ah! Agora não.
- Conta sim!!!!
As crianças sempre gostavam de se juntar na cozinha, depois da janta, para ouvir histórias. Edith, a empregada, sempre contava algumas de assombração.Mas naquele dia, ela tinha ido passar um tempinho com o pai dela que estava adoentado. Falou que ele estava constipado e tinha que fazer um chá de guaco com mel pra ele. Só assim ele ia melhorar. A verdade, porém, não era essa. Toda noite ele saía e enchia a cara de cana num boteco perto do cemitério. Lá, ele ficava até tarde e quando o boteco fechava ele não conseguia chegar em casa. Dormia no sereno e a gripe não ia embora nunca. Com a Edith em casa , com certeza os passeios noturnos não aconteceriam e ele poderia melhorar.
Sem a Edith só restava à mãe contar as histórias do lobisomem que atacava perto da Ponte de Tábua, da mulher doida que matou três de susto lá pros lados de Cisneiros, da Juraci, a maluca, que andava com uma faca e batia nas janelas das casas tarde da noite.
- Conta mãe – repetia a criançada.
O cheirinho de lenha verde queimando inundava a cozinha naquela noite de inverno. Com uma vassourinha, um dos meninos empurrava as cinzas que teimavam em cair no chão para dentro do fogão, a água fervia na chaleira. A mãe não tinha mais como se negar a contar a história. Os cinco filhos sentaram-se no chão ao lado da única cadeira que tinha na cozinha.
- Conta, mãe, a da figueira!
- Mas, hoje só conto uma vez.
Olhos e ouvidos atentos. Dona Helena começou, então, a contar:
- “Era uma vez, um homem muito bondoso que ficou viúvo. Chorou muito. Sofreu bastante, mas precisava ser forte porque tinha uma filhinha linda e precisava mostrar que estava feliz pra menina também poder ser feliz. E foram vivendo felizes, até que um dia ele resolveu se casar outra vez para dar uma nova mãe à filhinha. E assim ele fez. Casou-se. A madrasta, perto dele era uma coisa. Longe, só infernizava a vida da pequena Maria. Punha a menina pra varrer a casa todinha, pra lavar toda a roupa da casa, pra fazer a comida, catar arroz, escolher o feijão, descascar batatas, varrer o quintal, dar milho pras galinhas, recolher os ovos dos ninhos, rachar lenha, regar a horta. Mas tudo isso ela fazia longe do marido e proibia a menina de contar. Se contasse, ia para o castigo, ajoelhada em cima de caroço de milho ou, então, no terreiro, olhando pro sol. Isso quando não deixava ela sem comer.
Um dia, a madrasta falou;
- Olha, Maria, eu vou sair de casa, agora, pra ir na casa da comadre Marilda. Você vai ficar lá no quintal pra tomar conta da figueira que tá carregadinha e eu não quero que os passarinhos comam nenhum figo. Já contei todos. Se faltar algum quando eu voltar, você vai ver comigo.
Maria foi, então, para o quintal e sentou-se debaixo da figueira com uma varinha na mão para espantar qualquer passarinho que por lá pousasse. Mas, como estava muito cansada, adormeceu. Pra que? Os passarinhos vieram e comeram quase todos os figos. Quando a madrasta chegou e viu aquilo, não pensou duas vezes. Mandou a Maria furar um buraco bem fundo debaixo da sombra da figueira. Quando Maria terminou, a madrasta enterrou a menina viva naquele buraco. Jogou ela lá dentro e cobriu com terra. Quando o marido chegou e perguntou pela menina, ela disse que Maria tinha saído e não voltou.
Os dias foram passando e Maria não voltava. O pai perguntou pra todo mundo da cidade e ninguém sabia da Maria.
O tempo correu e lá debaixo da figueira, o mato começou a crescer. Mas não era mato, não. Era o cabelinho da Maria que crescia lá debaixo da terra e saía no chão, igual graminha. O pai, então, chamou um homem pra limpar o quintal pra ele. Quando o homem deu a primeira enxadada no capim que nasceu debaixo da figueira, ele ouviu uma musiquinha , cantada assim:

- Capineiro do meu pai,
não me corte meu cabelo
pelos figos da figueira
a madrasta me enterrou.

Ele olhou prum lado, olhou pro outro e não viu nada. E deu outra enxadada. E ouviu, outra vez, a vozinha vinda láááá do fundo.

- Capineiro do meu pai
não me corte meu cabelo
pelos figos da figueira
a madrasta me enterrou.

E cada vez que ele batia a enxada no chão pra cortar o capim, ele escutava a musiquinha. Até que ele resolveu cavoucar em volta do capim, bem fundo. E foi cavoucando, cavoucando, cavoucando, até que viu a menina agachadinha lá no fundo do buraco, chorando, chorando, tadinha, e cantando com a voz bem fraquinha a música que o capineiro ouviu a cada vez que dava uma enxadada. Ele tirou a menina do buraco, chamou o pai dela e a Maria contou tudinho como tinha acontecido.
O pai, então, foi lá dentro de casa, pegou a madrasta, amarrou ela pelos cabelos no rabo de um burro bravo e chicoteou o burro que saiu em disparada pelas ruas da cidade, arrastando aquela malvada. O burro sumiu pela estrada, levando a madrasta.
O pai e a menina, agora felizes, viveram,assim, felizes para sempre.”

Lágrimas enxugadas com as costas das mãos e os olhinhos arregalados, eram o sinal de que a história de Maria, por mais repetida que fosse, nunca deixava de ter seu encanto.
- Bença, mãe.
- Deus te abençoe.
- Dorme com Deus e Nossa Senhora.
- Amém. A senhora, também.
- Não se esqueçam de rezar.
- Tá.
E todos foram dormir

(Já contei muitas vezes, também, para minhas filhas Laila, Clarice, Lívia e Marina)
Palma, 20 de agosto de 2009

3 comentários:

Unknown disse...

Quando eu for aí vai contar pra mim também,tá? Eu não posso ler tudo de uma vez porque choro...........é muita saudade.....................

Unknown disse...

Beto, adorei a "historinha", minha avó percy, também sempre contava! até fez um livro para cada neto, com todas as histórias! hhahaha

Clarice Metri disse...

Me lembro disso. Que saudade!!!! bjo