quarta-feira, 12 de agosto de 2009

UM DIA COMUM DE DOMINGO

UM DIA COMUM DE DOMINGO
NA VIDA DE UM MENINO COMUM
NA PALMA DO FINAL DA DÉCADA DE 1950

- Dóminus Vobiscum
- Et cum spírutu tuo
- Ite, Missa est
- Deo grátias
- Benedicat vos omnipotens Deus, Pater, et Filius et Spíritus Sanctus
- Amen

O fim da missa é o começo do meu dia de folga. O uniforme branco da Cruzada Eucarística Infantil e a fita amarela vão para o “camiseiro” e por lá ficarão até o próximo domingo.
Pra começar, combino com outras crianças e vamos para o jardim brincar de parte-queijo. Seu Tuninho implica com a gente e fica de marcação pra que ninguém pise nos canteiros e estrague as rosas que ele cuida com tanto carinho. Mas Seu Tuninho é muito bravo e a gente fica até com medo dele.
Pena que o Parque do Banana que está armado na Rua do Dó está fechado e a Jussara, filha do Banana só vai se apresentar co m o número de contorcionismo à noite, logo depois da Nair da Dona Bernardina cantar o último sucesso do Orlando Dias.
Como não há o que fazer e a hora do almoço está chegando, vai cada um pra sua casa. Eu, então, vou para a minha. Quando entro em casa já sinto o cheirinho do frango assado, da macarronada feita com bastante molho de massa de tomate e do arroz temperado com “petit pois” , coberto com farinha de rosca e rodelas de ovo cozido. E, como é domingo, talvez tenha até guaraná champagne e sobremesa de arroz doce com bastante canela.
Uma pequena soneca . De repente ouve-se a sirene do cinema anunciando que vai ter matiné. Mas, disso eu já sabia. Na volta do jardim, passei pela Rua do Cinema e vi o cartaz que Seu Antonio Agrícola fez com aquela letra vermelha, sombreada de azul. O filme Tarzan e as Amazonas, com Johnny Weissmuller e Brenda Joyce,já era um filme velho, da década de 40, mas toda vez que passava a gente assistia. Quase que a gente já sabia de cor e salteado todas as cenas.
Juntei minhas revistas de Cavaleiro Negro, Zorro, Roy Rogers, Mandrake, Capitão Marvel , Bolinha , coloquei a roupa nova e lá fui eu. Da janela, minha mãe vigiava pra ver se eu ia atravessar a rua direito. Tinha que olhar pros dois lados e ir pela sombra. Como tinha menino com revista no cinema naquele dia! Troquei algumas velhas por outras que eu ainda não tinha lido. A luz começou a piscar. A sirene tocou avisando que já estava na hora de começar. “Atualidades Atlântida”, alguns trailers e chegou a hora.Ao som de shiiittt!!! Sshhiiittt! a gente tocou o passarinho da tela e o filme começou. O momento é mágico. Depois do filme, vem a série do Zorro. Uma cena de suspense. E o suspense deve ser mantido até o próximo domingo quando vier o outro capítulo.
Volto pra casa onde me espera uma caneca com café e leite e pão com manteiga.
Mas o dia não termina aí. Tem o aniversário do Batista. As recomendações são as de sempre. Mãos para trás. Não comer muito. Não faltar com a educação. Não fazer bagunça. Não sujar a roupa. Não mexer nos presentes. É uma quantidade de “nãos” tão grande que quase não resta nada a fazer. Mas, vou assim mesmo.
Logo na entrada a mãe do Batista manda a gente ficar na varanda e esperar a hora do parabéns. Ficamos conversando e contando a história da série do cinema, e cada um fala o que acha que vai acontecer. Chega a hora de cantar o parabéns pra você. Na sala, no centro da mesa, um bolo coberto com glacê de limão nas laterais. Em cima do bolo, açúcar tingido com anilina verde e vários bonecos com roupinha de jogador de futebol. Uma vela azul com o número sete. Apagam-se as luzes. Acende-se a vela. Cantamos o parabéns, Batista sopra a vela. Os meninos mais educados ( ou mais reprimidos) encostam-se na parede e esperam alguém passar com uma bandeja oferecendo um docinho de figo cristalizado. Aceito um. Passa outra bandeja com olho de sogra. Posso aceitar mais um. Vem o copo de guaraná. Com um “muito obrigado”, pego um copo de papel estampado com a figura um aviãozinho. Quando chega o doce de leite, sou obrigado a dizer: não, obrigado. Minha cota de doces acabou e tenho que obedecer, senão quando tiver outro aniversário, o castigo é certo.
Que inveja do Robson que antes de sair pergunta: Posso levar um pedacinho de bolo pra minha mãe.? Ele ganha mais um pedaço e leva. Que inveja!!!!
Volto pra casa com gostinho de quero mais
Acabou a festa.
Acabou o domingo.
Hora de dormir.
“Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a piedade divina, sempre me rege, me guarda, me governa, me ilumina. Amém.”
Bem baixinho, quase que escondido, peço ao Santo Anjo que faça minha mãe se esquecer de fazer tanta recomendação, tanta proibição, quando chegar o próximo domingo.

Beto Metri em Palma, 12 de agosto de 2009.

3 comentários:

Diana disse...

Obrigada por compartilhar essas lembranças!! Vc escreve tão bem, que chega a me dar saudade de um época que não vivi!!!Parabéns!!!

samuca disse...

Maravilha.!

Obrigado por fazer a gente viajar no tempo.

Parabens!!

Unknown disse...

Parabéns, vc transmite tudu com muita clareza e me faz sempre querer ler mais e conhecer mais.
te adimiro muito !!!