sexta-feira, 30 de maio de 2014

UMA HISTÓRIA DE AMOR ( E DE DOR)

Rosa sempre foi uma menina bonita. Por onde passava, era para ela que os olhares convergiam. Despertava simpatia e inveja. Provocava ódio e grandes paixões. Despercebida, nunca.
Foi assim  na infância e na adolescência .
Mocinha, conquistou corações.   O mais afoito,  Cristiano, debulhou-se em elogios e palavras bonitas, com tanta finesse e galhardia,  que Rosa se desmanchou por ele. E se apaixonou. E se apaixonaram.
Mas a cidade de Palma era pequena demais para tanto amor. Enquanto o tempo passava devagar e as horas às vezes até pareciam  paradas, a paixão  de Rosa e Cristiano era avassaladora. E o casamento teve sua antecipação anunciada. Correria desatinada para o enxoval, o dote, o vestido.  Mas não podia demorar.  Rosa provava o vestido hoje e amanhã ele já estava meio apertado. As formas arredondadas da noiva não podiam ser percebidas. Cristiano   no alfaiate. Rosa na costureira. O pai de Rosa combinando com  o vigário. A mãe de Rosa caprichando nos lençóis e toalhas.
Chegou o dia do casamento. Uma chuvinha fina acalmou os ânimos.
Dona Lourdes   forçou os pedais e o harmônio da igreja encheu o ar  com o som da marcha nupcial. Dona Iolanda já limpava a garganta para entoar a Ave Maria, quando Deoclécia, vestida de anjinho, entrou pelo centro da igreja levando uma cestinha com as alianças.
Rosa disse sim. Cristiano confirmou com outro sim. Ninguém era bobo de se manifestar quando o vigário perguntou se havia alguém  que sabia  algo que pudesse evitar o matrimônio. Bênçãos finais. Cumprimentos. Festa no terreiro da fazenda dos pais de Rosa. Ponche  de frutas para os adultos  e groselha para as crianças. Bolo de três andares. E Champagne para os noivos. Mas Rosa só brindou e não bebeu. Um enjoo lhe subiu até a garganta e quase divulgou o indivulgável.
Sete meses depois, “prematuramente’ Rosa deu à dois meninos, Abílio e Acrísio.
Parecia que a felicidade era moradora constante daquela casa.
Mais um ano e Rosa trouxe ao  mundo uma linda menina; Creuza.
Tudo ia muito bem , até que um circo  apareceu em Palma. Tudo era encantamento. Os rapazes se acotovelavam para verem a rumbeira e a menina que andava no arame. As moças quase que se rasgavam  pelo palhaço quando ele tirava a fantasia..
Mas o palhaço se  encantou pela mulher errada: Rosa.
E tanto fez que Rosa também caiu de encantos por ele.
Do alto do trapézio  ele a fuzilava com os olhos.
Do meio da plateia Rosa quase o derrubava com o olhar.
Até que chegou a noite do último espetáculo.
Hoje tem marmelada?
Tem , sim senhor......Abílio, Acrísio e Creuza gritavam atrás do palhaço.
E o palhaço, o que é???
Abílio, Acrísio e Creuza respondiam animados:
- É LADRÃO DE MULHER.
À noite, findo o espetáculo, Renato – este era o nome do palhaço, encontrou-se com Rosa.
- Rosa , venha embora comigo.
-Não sei se devo, Ricardo.
- Mas você não disse que me ama!
- E amo mesmo.
- Então, vem comigo.
- Mas tem as crianças.
- Tem muita gente que quer...
- Não sei se devo... nem sei se tenho coragem...
- Elas vão ficar melhor do que aqui no circo.
-Amanhã a gente conversa.... Cristiano vem vindo...
- Então, até amanhã...
Rosa não conseguiu dormir. Pensou... pensou... pensou... chorou... chorou... pensou...
- Como é que eu não pensei nisso antes – Pensou Rosa
De manhã, bem cedinho, foi até o Hotel Santos, pertinho da prefeitura, falar com Seu Santos. A irmã dele, que morava na Bahia, estava em Palma. Ela e o marido  há muito vinham tentando ter filhos e nada. Santos chamou Henriqueta e ela disse que ficava com os meninos. Rosa voltou para casa e disse para Cristiano:
- Acabou, Cristiano. Não dá mais. Não aguento mais. Vou embora com as crianças para o Rio de Janeiro. E nem adianta pedir ... eu não volto atrás. Vou e pronto.

Juntou algumas pecinhas de roupa numa bolsa. Fez as malas das crianças. Chamou um carro de praça. E nem olhou para trás.
Passou pelo hotel e deixou os meninos. Lá também ... saiu e nem olhou para trás.
Com Creuza no colo foi em direção ao circo.
- Não dá pra levar esta menina – falou Ricardo.
- Não achei quem queira ficar com ela
- Dá um jeito.
Ela, num rompante, virou-se para Seu Edson que passava por ali e disse:
- Seu Edson... tome conta da Creuza por uns tempos.  Volto pra pegar ela daqui a alguns anos.
Com Seu Edson era um homem bom, caridoso, nem questionou. Ele e Dona Terezinha não tinham filhos. Quem sabe – pensou ele – a Terezinha não se anime e ficamos com a Creuzinha para sempre?!?!
Mas não foi o que aconteceu.
- Cê tá maluco, homem!!!! Falou Terezinha
- Mas Terezinha, é só por uns tempos....
- Nem um tempo, nem meio tempo. Não quero e pronto. Depois a Rosa volta e pega a menina. E como é que a gente vai ficar????? Pede pra Mulata ficar com ela.
E Mulata aceitou. Criou Creuza como se fosse dela.
O tempo passou... passou... passou...
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Dezoito anos se passaram.
No expresso que veio do Rio, desceu Rosa com cinco crianças. Dois meninos e três meninas...Jacinto, Januário, Dalvinha, Celeste e Filomena.
O casamento com Ricardo desmoronou. Numa cidadezinha do Espírito Santo ele roubou a mulher do prefeito. Mais nova, mais bonita e sem filhos. Deu algum dinheiro para Rosa , comprou passagens num trem para o Rio de Janeiro. E lá se foram , Rosa e as crianças.
Ainda bem que Rosa não tinha medo de trabalho.. Lavava e passava como ninguém! Cozinhava e sal comida era cheirosa e saborosa. Do Rio veio para Palma e se instalou com as crianças numa casinha bem perto  da máquina de arroz e começou a dar pensão (servia marmitas) e a lavar roupa pra fora. Dalvinha e Celeste  começaram a trabalhar em casas de família e  Filomena foi ser balconista na venda do Seu Michel. Januário conseguiu emprego na Leopoldina e Jacinto....ah! o Jacinto, foi  ser bilheteiro no cinema da cidade. E lá ele conheceu Creuza. E se apaixonaram. Mas , como Mulata era muito exigente, começaram a namorar às escondidas. Creuza ia para o cinema. Quando começava a sessão, Jacinto fechava o guiché e se encontrava com ela no escurinho e namoravam.Eles se apaixonaram. Eles se amaram. Fizeram planos. Sonhavam com uma cerimônia de casamento com muitos convidados. Sonhavam com  filhos. E eram felizes.
Mas, numa cidade pequena nada fica escondido por muito tempo. Mulata descobriu. E se desesperou. Chamou Rosa. E Rosa também se desesperou. Chamaram Creuza. E Creuza também se desesperou. Foram todas falar com Jacinto. E ele também se ... Não... Jacinto não só se desesperou... ele enlouqueceu.
- Não pode ser. Creuza não pode ser minha irmã.
Mesmo descobrindo isto o amor não passou... a paixão não diminuiu... e Jacinto começou a definhar.
- Eu quero morrer – lamentava.
Mas era fraco demais para por fim à sua vida.
Mas era forte demais para planejar um fim para sua vida.

Jacinto molhava os cabelos à noite com água fria.... Tomava banho quente e  em seguida saía sem camisa para o quintal nas noites de inverno... Uma gripe forte.... febre... paixão doendo no coração.... pneumonia.... amor crescendo no peito... não comia...  e a dor lhe apertava o coração... tossia... tossia... uma anemia lhe enfraquecia o corpo... e o amor se fortalecia... e veio uma tuberculose... e Jacinto definhou...definhou... definhou... até morrer de amor.

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