sexta-feira, 12 de abril de 2013

UMA NOITE NO CIRCO



 Hoje tem goiabada?
Tem, sim senhor.
Hoje tem marmelada?
Tem, sim senhor.
E o palhaço, o que é?
É ladrão de mulher.
Um alto falante estridente. Um palhaço meio maltrapilho. Uma caminhonete Ford 1951. Uma turma de moleques gritando forte. Uma criança a olhar pela greta da janela. Os olhinhos brilhando, com vontade de estar no meio daquela turma. Uma panela no fogão a lenha. Uma mulher atenta para não deixar queimar o angu. Uma criança que aproveita o momento. Um instante e esta criança já está no meio da molecada.
Então, entro no meio da molecada, não sem antes deixar o palhaço carimbar meu pulso com o nome do circo. Circo Alakong... Circo Teatro Continental. Circo Bartolo. Não importa o nome. Importam a lembrança e o carimbo. E o cuidado, pelo resto do dia, para não molhar, não lavar. O carimbo é a garantia de assistir ao espetáculo da noite.
- É ladrão de mulheeeeeeeeeeeer. Grito tentando mostrar que meu grito é o mais forte.
Com o cuidado de não me deixar ver .
O palhaço grita anunciando as atrações da noite: Princesinha e Moreninha, o Palhaço Pipoca e o palhacinho Pipoquinha, show de dança com belas rumbeiras, o salto mortal dos trapezistas sem rede de proteção, a menina de 9 anos andando no arame, grande apresentação do mágico e, para encerrar o espetáculo, o emocionante drama CORAÇÃO MATERNO.
A caminhonete toma o rumo da rua do Sapo. Antes, o motorista para no açougue do Maron e compra um coração de boi.A molecada gritando sem parar. Afinal, tem que ter grito para valer a entrada.
Mais de duas horas depois, volto pra casa esperando sentir a mão de minha mãe esquentando minha orelha. Mas vai valer a pena. Entro em casa.
- José Alberto, onde é que o senhor estava?
Quando minha mãe falava meu nome completo e bem pronunciado era sinal de que algo bem dolorido viria a seguir.
-Olha , mãe, o que eu consegui: entrada pro circo logo mais.
Pensei que falando assim estaria perdoado. Grande engano.
- Aaaaaaaaaaaaaaaaaaiiiii! Foi só o que pude falar.
O que me restava fazer a partir de então? Ajudei a tirar a mesa do almoço, dei comida pro cachorro, varri o quintal, dobrei a roupa tirada do varal, catei lagartas nas folhas de couve na horta, fiz tudo o que podia e o que não devia nem podia para agradar minha mãe. E deu certo.
Banho tomado sem molhar todo o banheiro e sem deixar sair a marca do carimbo. Toalha de banho pendurada no varal. Roupa suja dentro do cesto. E lá estava eu, aprontando para ir ao circo. Gumex nos cabelos para fixar o topete do cabelo cortado a Príncipe Danilo. Sapatos brilhando. Sentei na beirada da calçada esperando algum adulto para me acompanhar.
- Olha ele direitinho tá? Recomendou minha mãe.

 E lá fomos nós. Dinheirinho reservado para comprar um pirulito daqueles bem puxa-puxa.
O cheirinho de pó de serra (serragem) está marcado até hoje na minha memória. Uma lona cobre todo o picadeiro. Os trapezistas entram . Prendo a respiração. Meu Deus! Que perigo!!!! E o atirador de facas?!?! Fecho os olhos com as mãos mas deixo uma fresta para olhar as facas zunindo em direção àquela tábua toda marcada por furos. Aplausos. Mais aplausos. E os espetáculo continua.
- Quando me apertam dançando, chego quase a desmaiar, quando me apertam dançando, chego quase a desmaiar, porem se danço com Pepe, com Pepe eu não sinto nada.... canta Ângela Maria, num disco arranhado e cheio de chiado, o que não atrapalha o desempenho e o encanto da rumbeira que dança rodando em todo o picadeiro. Nas arquibancadas, uma menina vende fotos autografadas pela rumbeira e pelos trapezistas.
Um intervalo.
Na volta o palco está montado para o grande drama da noite.
- O que você quer que eu faça pra provar que te amo, Lazinha? Pergunta o ator.
-Se você me ama de verdade, Rodolfo, me traz o coração de sua mãe. Responde Lazinha para seu noivo.
- Não acredito que esteja me pedindo isso.
- É isso mesmo que você ouviu. O coração de sua velha mãezinha .
Rodolfo sai em carreira desabalada. Lazinha tenta alcançá-lo. Não consegue.
No som do alto falante, Vicente Celestino canta:
Parte já e pra mim vai buscar
De sua mãe inteiro o coração.
..................
E sua amada qual louca ficou
E a chorar na estrada tombou...
........................
Chega a choupana o campônio
Encontra a mãezinha
Ajoelhada a rezar.
Rasga-lhe o peito o demônio
Tombando a velhinha aos pés do altar.
Tira do peito sangrando
Da velha mãezinha o pobre coração...

A platéia chora. Lazinha se desespera. As luzes piscam. Meus olhos fixos naquele coração sangrando. Também choro.

Vicente Celestino continua
À distância saltou-lhe da mão
Sobre a terra o pobre coração.
Nesse instante uma voz ecoou
- Magoou-se pobre filho meu.
Vem buscar-me, filho, aqui estou,
Vem buscar-me que ainda sou teu.

Lazinha grita. Rodolfo chora. Cai o pano.

Até hoje não me sai da memória aquele coração de boi sangrando.A mãezinha no chão com o terço na mão em frente à imagem da Virgem Maria. E me emociono.


Um comentário:

Unknown disse...

Parabéns primo José