segunda-feira, 14 de maio de 2012

LEMBRANÇAS DO QUE EU NÃO VIVI





Domingo, de manhã.

O carro na estrada, rumo a Silveira Carvalho.

Muito buraco, muita poeira e, parece mentira, muita lama.

Subo a Serra da Congelação e da Pedra Branca. Que tristeza saber que o túnel da Estrada de Ferro Leopoldina hoje é um lago, com peixes e pescadores.

Chego no Banco Verde e vejo as ruínas da velha estação cobertas de mato.

(Por aqui tem Cachoeira Alegre, Córrego Alegre. Ainda bem que não é Cachoeira triste...)

Chego em Silveira Carvalho, dobro na primeira à esquerda em direção a Cachoeira Alegre. À minha esquerda, logo aparece um casarão em ruínas. É a velha Fazenda Caeté. Na minha memória vem a foto de um casamento que vi muito quando era criança e que hoje, ampliada, enfeita uma parede d’O Califa.. E começo a me perguntar. Por que Mãe Alia e Tio Elias vieram se casar em Silveira Carvalho? Aí, nem Chapolim Colorado. Quem poderá me salvar???? Só tia Laila que, graças a Deus, está bem viva e com saúde em Juiz de Fora. Ela é irmã de minha mãe. Nos seus oitenta e tantos anos de idade, gosta de contar as histórias da família, e as enfeita bastante com um colorido que só a emoção e o amor sabem dar.



Segunda-feira, de manhã.


O carro na estrada, rumo a Juiz de Fora.

- Por que a Mãe Alia foi se casar lá em Silveira Carvalho?

- Papai tinha um venda muito boa lá.

E tia Laila conta:

- Era uma venda grande ,com muitas portas ,na frente da estação do trem. Vendia de tudo. Tinha fazendas, ferragens, secos e molhados. Papai tava muito bem de vida e era muito amigo do dono da Caeté. Então ele ofereceu pra fazer o casório lá. E a Maria ( a mãe Alia) era uma moça muito bonita. Teve até um homem muito rico, mas muito mesmo, que falou pro papai e pra mamãe irem no Rio e comprarem o melhor enxoval pra Maria porque ele queria casar com ela. A Maria era mesmo muito bonita. E as moças de Palma morriam de ciúme. Teve até gente de Palma que ficou com raiva e ciúme porque tinha umas filhas que não eram bonitas como a Maria e não conseguiam casamento.

Mas, quando o Elias soube que tinha um outro interessado na Maria, ele chamou a mamãe e falou que eles não podiam aceitar o ricaço como noivo da Maria. E o Elias falou que ele é que gostava da Maria e queria casar com ela..

- E o que é que o tio Elias fazia na época?

- Ele já tava bem. Tinha um caminhão de frete. E a mamãe gostava muito do Elias. Aí ela falou com o papai que a Maria tinha que casar era com o Elias. E foi uma festança das boas. E tem mais: o papai nunca quis deixar de ter a carpintaria dele. Ele falava que era uma profissão sagrada porque era a profissão de São José. O outro pretendente da Maria ficou tão triste que pegou as coisas dele e voltou pra terra (pro Líbano) e a gente nunca mais teve notícia dele.

- E aí?

- O papai fez uma festança pra Maria. A Amélia já tinha casado com o Feres quando ainda tinha quinze anos. A Maria casou com dezoito. Eu tinha de dois pra três anos mas lembro direitinho de como a Maria ficou bonita. E a mamãe sempre contava essa história pra gente.

- E o tio Elias.

- Tadinho do Elias. Era sozinho aqui no Brasil. Mamãe tinha muita peninha dele.Mas venceu na vida. Até que um tempo depois ele comprou a venda lá em Palma onde ficou até vender pra você.

- E o vovô Felix?

- Ele era um homem muito bom pra mamãe e pra gente. Todo mundo lá em Palma gostava muito dele. E ele era agradável demais. Além de tudo era muito bom carpinteiro. Fazia cada coisa linda. Muita gente encomendava móveis pra ele. A oficina dele era muito bem montada e ele gostava de trabalhar. Ele também gostava muito de comércio. Lá em cima perto do Chico de Oliveira, onde tinha aquela casa do Zé Maria e da Dona Cristina, o papai teve uma venda muito grande. Eram sete portas de venda onde vendia de tudo e era um ponto muito bom porque a estrada pra Miracema começava lá. E o movimento era muito bom porque quase tudo em Palma acontecia era lá em cima. Lá , teve até posto de gasolina!!! O papai vendia muita coisa boa. Sabe aquele jogo de chá dourado que tem lá na sua casa e que foi da Maria? Pois é. Ele era lá da venda do papai. O Cóte, tio do Quito foi que comprou e deu de presente pra Maria quando ela ainda era pequena. Quando ela casou , a mamãe deu pra ela levar pra casa dela. E é coisa muito boa , tanto que tá inteiro até hoje. E do mesmo jeito que tinha jogo de chá, tinha cada aparelho de jantar muito lindo também.

A conversa continua.

Uma Palma de um tempo que eu não vivi parece que se materializa na minha frente.

E ando pelas ruas, subo e desço os morros, sinto o cheirinho do café sendo coado e da broa de milho saindo do forno. Sinto , mais do que tudo, o perfume de uma época em que o mato nascia na beirada das calçadas de pedras grandes e altas e as jardineiras nas janelas exalavam o aroma dos jasmins e dos cravos. E vou de charrete rua acima . Os pensamentos voam, se esfumaçam e desaparecem. E volto.

4 comentários:

Anônimo disse...

Caro José Alberto,

Grande história, com fotos muito interessantes -- apesar das tristes ruínas da fazenda Caetés.

Fica minha sugestão de uma pesquisa (com história e fotos) de outras fazendas antigas da nossa cidade.

Grande abraço, Roldão

Anônimo disse...

Belíssimo texto, Beto... Eu tb tenho saudade do que não vi e não vivi... Abraços, Diana.

Anna Barbosa disse...

Parabéns,seu blog já dá um livro.
Lindas histórias.Nos levam á tempos bem vividos!É bom chegar até hoje e vivenciar tudo isso!Obrigada,Beto!
Abraço,
Anna Barbosa

Sonia Canellas disse...

Querido amigo Beto, só hoje vi esse post, lindissimo, por sinal! Fiquei encantada com a história de sua mãe Alia e do Sr. Elias, pessoa encantadora e de inesquecível presença. Mas foi triste ver as ruínas do Caeté, outrora tão cheio de vida e de histórias. É ali a minha origem, você sabe e foi um casarão muito bonito. Quantos "causos" minha mãe contava...de meu avô, Antonio José Ribeiro, de minha avó, a quem os netos chamavam mamãe Chiquinha, de meus tios... Quanta vida! Que saudade, você nem imagina quanta!
Obrigada, amigo, por essa e outras lembranças tão gostosas que você nos traz neste blog.
Abrção, até mais. Soninha.