sexta-feira, 11 de novembro de 2011

WELLINGTON E A HISTÓRIA DE PARASITA

Noite de lua cheia.
Lá pros lados do Engenho de Serra vê-se a janela de uma casa iluminada pela luz da lamparina.
Lá dentro, na cozinha, Sá Maria, uma antiga criada da família, conta um “causo” e prende  a atenção da meninada que depois de um dia cheio de brincadeiras quer ouvir mais uma história de assombração. A Mula sem Cabeça que povoa a mente de toda a criançada ganha novas características  na história  de Sá Maria. 
Um arrepio percorre a espinha de um dos moleques, o outro fecha os olhos como se isso bastasse para a assombração sumir, enquanto no quintal os grilos enchem a noite com sons estridentes, uma coruja pia ao longe, sapos coaxam  no brejo ali pertinho e, de vez em quando, o  latido de um cão aliado à história de Sá Maria lembra o uivo de um lobisomem... mas esse aí fica pra uma próxima história. 
No fogão , a lenha já queimou toda e as brasas já vão se apagar. O querosene da lamparina já está no fim. É hora de dormir, antes que fique mais escuro.  E  só a luz da lua cheia vai continuar a iluminar a note que está só começando. 
Crianças pra cama. 
Nem escovam os dentes daquelas bocas que ainda estão com o gostinho do angu com leite preparado para o lanche pela contadora das histórias.
A casa do Vô Chiquinho, todos os fins de semana, fica cheia dos netos que esperam todos os dias ansiosos que chegue a sexta-feira e com ela o fim da aula no Grupo Escolar Artur Bernardes. Hora de ir cada um pra sua casa, pegar o embornal com uma mudinha de roupa e partir pra roça. Lá , uma infinidade de afazeres, brincadeiras, pescarias, histórias, traquinagens e etc e tal.
Mas não são  só os netos e netas de Seu Chiquinho que vão pra roça. 
Não. 
Os filhos também gostam de se juntar na casa dele nos fins de semana. Mesmo os que moram em sítios vizinhos. 
O Rio Engenho de Serra é farto em peixes. Traíras se dirigem pro remanso do rio  de manhãzinha e parece que se espreguiçam  num trecho onde os raios de sol iluminam a água parada. E ficam ali um bom tempo. E é nesse remanso que Francisco Filho gosta de pescar. Mas ele não pesca da maneira tradicional. Ele gosta de pescar traíra com espingarda de chumbinho. E diz todo cheio de empáfia:
- Minha cota diária de traíra é só de duas. Uma  eu levo pra Júlia, minha esposa,a  outra eu dou pro Geraldinho, meu irmão.
E todos os dias, lá está o Chico Filho com sua espingarda e seu tiro certeiro na traíra.
(Até hoje ninguém conseguiu explicar como é que ele consegue matar duas traíras. Se depois do primeiro tiro a trairada fica lá  no remanso do rio  esperando o segundo????)
Mas o Chico Filho diz que mata.
Piau, então, tem de monte. Pra mais de  cem nadando juntinhos. Dizem que o rio fica coalhado de piau e ninguém dá conta de pescar. Tem piau pra mais de metro.
Enquanto Chico Filho pesca, a criançada anda pelo mato. E descobre verdadeiros tesouros na natureza.
Um desses tesouros apareceu no bambuzal lá da curva do rio. Nelsinho  passava por lá com  Elsinho e  e Helinho. De repente, aquele espanto. Mais de quinhentas juritis faziam o alvoroço do bambuzal. Voavam , piavam e cantavam e voavam, voavam e enfeitavam aquele cantinho da fazenda. Nelsinho pensou: 
- Quero caçar uma pra mim.  Mas uma só é pouco. Se tio Chico consegue pescar duas traíras  com a espingarda,se eu der só  um tirinho  com ela  consigo matar um monte de juritis.
Pensamento encerrado, Nelsinho parte em desabalada carreira para o terreiro da fazenda. Lá, na tulha onde Vô Chiquinho  armazena arroz, milho e café, e também onde  são guardadas as ferramentas  da  fazenda e mais enxadas, enxadões, picaretas, rolos de arame e de fumo pra uma pitadinha no fim do dia, fica também guardada a espingarda do Tio Chico.
Chegando na tulha, Nelsinho verifica que os cartuchos da espingarda estão  arrumadinhos pra a pescaria do dia seguinte. Penduradas num barrote, a espingarda e a munição. Nelsinho sobe nas sacas de café e alcança a arma. E volta correndo para o bambuzal.
Decepção total. Nem mais uma juriti naquela  moita de bambu. O que será que aconteceu? Ninguém explica.  De repente, a uns sessenta metros dali, mais ou menos, um ruído. Nelsinho procura. De onde vem? Lá do outro lado do riacho, uma saracura. Nelsinho olha para Parasita e fala
- Eu atiro e você pega.
Parasita , uma cadelinha vira-lata, acompanha a criançada  todo o tempo é  exímia caçadora. Não perde uma caça. Se é  com atiradeira, Parasita traz . Se é com espingarda, Parasita corre e traz a “vítima”. Parasita é o ó do borogodó. Melhor do que ela não há.
Nelsinho mira. E ...PÁ!
Um tiro certeiro e voa pena pra todo lado.
Parasita mergulha no riacho.
Nelsinho vê Parasita mergulhar e nadar.
Lá do outro lado a saracura ainda esperneia.
As penas ainda voam.
E Parasita nada.
Nada.
Nada.
E nada.
E Parasita nada de voltar.
Nelsinho espera.
E Parasita nada. E Parasita não volta.
Espera quinze minutos.
E Parasita não volta.
Espera meia hora.
Parasita,  nada.
A tarde inteira.
E Parasita não volta.
Mas Nelsinho tem que voltar pra casa.
Vô Chico não espera ninguém na hora da janta.
Senta e come.
Nelsinho chega.
A turma chega junto.
Nelsinho calado.
Nelsinho triste.
Parasita, nada.
...........................................
Mais uma vez a turma se junta a beirada do fogão. Sá Maria senta num tamboretezinho e começa a desfiar um  monte de histórias. Mas Nelsinho não consegue prestar atenção. Só pensa em Parasita.
- É. Acho que Parasita morreu afogada.
Mas Sá Maria é competente no ofício de contadora de “causos”. 
Aos poucos Parasita some dos pensamentos e a mula-sem-cabeça, o lobisomem, o saci-pererê, a curupira, assombrações dos mais diversos tipos prendem   a atenção de todos .
Lá fora, os grilos, o coaxar de sapos e rãs, o último mugido das vagas antes da noite cair bem escura. Nessa noite não tem lua cheia, o que torna as histórias  ainda mais fantasmagóricas.
De repente o uivo de um lobo. Ou de um cão? Mas o uivo se transforma num rosnar incessante. Que não para nunca. 
A história continua.
E  o rosnar também.
E rosna. E rosna.
Ninguém mais escuta a história .
Sá Maria se inquieta também.
Sá Maria pega a lamparina, abre a tramela da porta da cozinha, desce os degraus que levam ao terreiro.
A meninada atrás. Tremendo de medo e de ansiedade.
Lá embaixo, olhando para a escada, Parasita .
Parasita traz na boca um bagre de mais ou menos uns dez quilos.
Está toda molhada e suja de lama.
Parasita olha. Os olhos de Parasita brilham.
Os olhos da meninada brilham ainda mais.
Sá Maria tira o bagre da boca de Parasita .
Sá Maria leva o bagre para a cozinha.
Põe o peixe debaixo da bica e começa a tirar-lhe as  escamas.
Parasita olha.
A meninada espera.
Nelsinho estupefato.
Parasita apareceu.
Sá Maria amola a faca na pedra da pia.
Num gesto certeiro abre a barriga do peixe.
Admiração.
Surpresa.
Espanto.
Dentro da barriga do bagre jaz,ainda inteira, a saracura.
Éééé.!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! ´
Parasita não perde uma caça..

Historinha contada numa quinta-feira, n”O Califa, pelo Wellington atendendo ao pedido de Abílio.
Os nomes dos personagens foram trocados pois Wellington afirma que o caso é verdadeiro.
Será??????????????????????
Grato

2 comentários:

dulce disse...

Beto assim que comecei a ler lembrei da nossa saudosa sa Maria este fato eu nao sei mas muitos outros passam na minha memoria desta famosa contadora de causos e de caçar tatu e largato e uma infancia de muita saudades minha avo ficava ate com ciume que sa Maria beijos Dulce

Anônimo disse...

Beto, fiquei lisonjeado ao ler a história da cachorrinha vira-lata “Parasita”. Você colocou no papel, com maestria e sutileza, esse “causo”, mistura de fábula e realidade, o qual meu pai e meus tios afirmam ter ocorrido nas redondezas do Engenho de Serra.
Seu blog está de parabéns: informativo, alegre, polêmico, de conteúdo variado e cheio de novidades a cada publicação.
Att. Abílio.