quarta-feira, 2 de junho de 2010

JOSÉ DA SILVA






José da Silva.
Um nome comum.
Mas não é o nome de uma “ pessoa qualquer” .

Noite de domingo.
O Califa em funcionamento.
Um carro para.
Uma buzina.
Vou atender.
Dona Filinha na frente, no banco do carona, me apresenta ao motorista.
A janela de trás se abre.
Quase um susto.
Uma surpresa.
Cumprimentos.
E a promessa:
- Vamos ali em cima levar a Dona Filinha e voltamos para comer alguma coisa e conversar.

A fisionomia daquele senhor fez com que a espera se tornasse longa, tamanha era a vontade de vê-lo no claro, de ouvir a voz dele e de conversar. Conversar muito. Ir a fundo naquelas coisas que ele tanto queria saber.


Pouco tempo depois (que me pareceu mais de hora) eles aparecem. Seu José da Silva, o genro e o namorado da neta.
- Nossa! Como ele se parece com o Zé do Maninho!!
O mesmo formato de rosto, o pescoço alongado, os ombros, a postura, os cabelos.
E Seu José me conta:
- Saí de Palma já tem 66 anos. Fui embora com 18 anos para o Rio e nunca mais voltei. E queria muito saber se ainda tenho parentes por aqui. A Dona Filinha me trouxe aqui porque você tem muitas informações. E a minha família é Mattos, com dois “Tes”. Minha mãe se chamava Maria da Anunciação Mattos. Moramos por muito tempo lá pros lados de Banco Verde, na altura do túnel. Viemos pra Palma...e....
Aí o papo esticou.
Falou do Gibson, goleiro do Atlético. Mostrei a foto pra ele.
Falou da venda do Juca Aarão. Mostrei a foto pra ele.
Falou da venda do José Simão e do tanto que ele era reconhecido ao velho Simão por ter deixado o pai dele pesquisar a existência de ouro nos fundos do grande quintal daquele estabelecimento na esquina da Rua do Cinema coma Rua da Prefeitura.
Falou da Mina do Cigano.
Contou sobre a água límpida que matava a sede de todos na Mina da Raimunda.
Contou sobre estripulias de uma turma de meninos que nadavam nus nas águas do Ribeirão Capivara.
E lembrou-se da cadeia que funcionava na parte de baixo do prédio do Fórum.E a fot estava lá.
Lembrou da figura do Seu Chico de Oliveira. E mostrei a foto do Seu Chico.
Falou da Banda 14 de Março. E eu tenho a cópia de um jornal com notícia daquela banda.
Comentou sobre algumas mocinhas da época. As fotos na parede comprovam a beleza daquelas donzelas da década de 1930.
E falamos sobre Seu Maninho, Seu Juca Amaral, sobre o Sr. Roldão e Antonio Aarão.
- Ih! Aquela foto ali é do dentista com quem eu fiz o meu primeiro tratamento de canal (que lembrança!). Era para a foto do Seu Oscar, dentista, que ele apontava.
Mostrei-lhe, então, várias outras fotos. Dos avós do meu sogro, do meu sogro( Zé do Maninho – José de Mattos Ferreira), fotos de alguns bailes
- Ih! Esse cara aqui era o maior galanteador da época. Era metido a galã!
Contei-lhe sobre minha descendência árabe. E ele se lembrou do tio Elias Abdalla e da Casa Azul. Mas contou-me que já havia dito para o genro e pro neto que talvez não encontrasse nada mais por aqui. Peguei, então, um molho de chaves e o puxei pelo braço.
- Vamos até ali comigo.
Enquanto os seus dois acompanhantes comiam e bebiam alguma coisa, saí com ele e mostrei-lhe um prédio, ao lado do Califa. Os olhos dele brilharam.
- Vem até aqui.
Abri a porta da loja e entramos.
- Ta vendo aquele balcão?
- Meu Deus! Já me encostei tanto nele quando era criança!
~Restaurei há pouco tempo – eu lhe disse.
E Seu Zé se encostou mais uma vez naquele balcão. Até fez pose!
- Tinha um caixeiro que trabalhava aqui – disse ele – que também era metido a conquistador.
Falei alguns nomes e ele se lembrou.
- Ele era apaixonado pela filha do.... ( e continuou a contar coisas como se o passado estivesse ali, junto do presente)
Ele esticou os olhos por toda a loja. E lembrou-se que ali, naqueles tempos, vendia-se de tudo: tecido, armarinho, mantimentos, material de construção, enxadas, foices, martelo, secos e molhados, enfim “ da agulha ao avião”.
Voltamos para o Califa . E a conversa não terminava. E era mesmo pra não ter fim.
E começaram as fotos. O que começara de forma tímida foi tomando força. As lembranças afloravam sem parar. Um assunto puxava outro. Câmera de vídeo e máquina fotográfica buscavam reproduzir as emoções e as fotos nas paredes.
Ao final eu lhe disse:
- Seu José, se o senhor não encontrar nenhum dos seus parentes, acho que não vão lhe fazer falta. Tenho certeza que o senhor está fazendo hoje grandes amigos. E isso vai lhe fazer voltar aqui pra gente conversar muito. E até encontrar seus parentes. Mas, a julgar pela aparência, pode ter certeza: o senhor é da família Mattos, do meu sogro.
Mais conversa e os três voltaram para o hotel, com a promessa de irem até a loja , no dia seguinte, para levar alguma lembrança de Palma para filha.
...................................................................................................................................................
Manhã seguinte. Eu, ansioso.
Aguardei, com vontade, a chegada dos três. E eles chegaram.
Pode ter sido impressão minha, mas Seu José estava mais novo. Os olhos mais brilhantes. O rosto mais feliz. Parece que o passado revivido revigorou o presente dele.
Dei pra ele uma cópia da história de Palma , escrita pelo Professor José Marinho Araújo, em 1952, mostrei-lhe mais algumas fotos.
E mais uma vez ele fez pose junto ao balcão. Um flash.
Mais uma pose junto às peças de tecidos, segundo ele dispostas da mesma forma daquele tempo. Outro flash.
E chegou a hora da despedida.
Promessa de volta.
Apertos de mão.
Achei pouco.
Fui para o lado de fora e, carinhosamente, o abracei.
Senti que estava abraçando um pouquinho a história daquela “venda”.
Estava abraçando com certeza um novo velho amigo.
E ele se lembrou do que eu lhe dissera na véspera: sobre os amigos que ele estava deixando aqui.
Maizé, ele e eu.
Mais um flash.
Sem dúvida, o brilho daquele flash continua brilhando no meu coração.
E, certamente, aumentou também o brilho daquele olhar. Do olhar do José da Silva.
José da Silva.
Um nome comum.
De uma pessoa inesquecível.

(fatos como este fazem com que eu acredite cada vez mais que juntar aquela quantidade de fotos, conversar, jogar" conversa fora" , valem realmente a pena. A alegria e o brilho dos olhos do José da Silva compensam todo o esforço pra manter aquela galeria)


Hoje, 07 de novembro de 2010, registro, com tristeza, o falecimento do Sr. José da Silva, ocorrido ontem às 22 horas e 15 minutos no Rio de Janeiro.
Hoje, pela manhã, recebi um e-mail do Marcos me comunicando o fato.

Minha resposta ao Marcos foi a que reproduzo abaixo:

O que vale, pra mim, é a intensidade do carinho e da admiração que consegui colocar no meu coração, na minha alma e no meu pensamento com relação ao Sr. José. Somente dois encontros numa única visita a Palma . Mas um encontro permanente no meu pensamento. Jamais vou me esquecer dele. O olhar de contentamento que ele expressou naquela ocasião é motivo de constante alegria pra mim.
Por isso, receba e transmita aos familiares do Sr. José os meus sinceros sentimentos.
Um forte e carinhoso abraço para todos.
beto

2 comentários:

Cristina disse...

Que lindo Beto! Me emocionei...
Realmente vale a pena, pois assim nossa história nunca será esquecida.
Beijos

Unknown disse...

Espetacular !!! Beto você conseguiu fazer todos por aqui se emocionarem !!! Fiquei bastante tocado pela sua sensibilidade na percepção dos fatos. Coisas que eu havia percebido, mas guardei pra mim, foram descritas por você perfeitamente !!!Também percebi o rosto mais jovial do Sr. José no dia seguinte ao nosso encontro ...
Sem dúvidas você tem feito a diferença aí em Palma. Parabéns e obrigado por tudo. Até breve !!!
Marcos (namorado da neta do Sr. José)