quarta-feira, 2 de junho de 2010

AO TIO ELIAS, COM CARINHO

Mãe Alia, Tio Elias, Seu Bechara, em 1968.



...pra pedir pra você ir lá em casa
e brincar de vovô com meu filho
no tapete da sala de estar...

quando a música do Fábio Jr. Chega nessa parte, com certeza é só no tio Elias que eu penso.

Ele foi mais do que pai e do que avô. Ele foi uma das pessoas que eu mais amei na vida. E amo.
Um homem simples. Veio do Líbano de uma forma muito louca. Um tio que vinha para a Argentina, trouxe o tio Elias,então com 12 anos de idade. Ao passar pelo Brasil (era assim que tio Elias contava), o tio dele foi para Buenos Aires e o deixou aqui.
Sem família, sem falar uma só palavra de português.
E muito mais do que isso ele não contou.
Só sei que veio parar em Palma.
Casou-se com minha tia (Maria, irmã de minha mãe). Também é meio confuso na minha cabeça. Mas contaram-me que minha mãe Helena ficou doente e pediu que minha tia cuidasse de mim até que ela sarasse. E não fui”devolvido”. Criado pelo tio Elias e pela Mãe “Alia” , fui ficando na casa deles.
Aquele homem, que falava o português meio embolado, mas que aprendeu, não sei como, a escrever a nossa língua (não sabia escrever o árabe - só falava), me fazia ler jornais com quatro anos de idade, me enchia de “gibis” (Cavaleiro Negro, Roy Rogers, Fantasma, Tarzan,Capitão Marvel, Zorro, Pinduca, Bolinha, Os sobrinhos do Capitão, Zé Carioca, Pato Donald, Flash Gordon, Mandrake, e muitos outros. Fazia questão de me dar muitos livros de presente. E me enchia de balas e outras guloseimas.
Ele me ensinou a gostar de artes.
Levava-me com frequência ao Cine Brasil para assistir aos grandes filmes da Vera Cruz e da Atlântida. Aos domingos (todos) , eu ia às matinês para assistir aos filmes e aos seriados. E me dava muitos cadernos de desenho, com caixas de lápis de cor. E me ensinava a gostar das coisas e a amar as pessoas.E me dava muito, muito carinho. Carinho de tio. Carinho de pai. Carinho de amigo. Carinho de uma forma que era pra que nunca me esquecesse dele. E não consigo mesmo esquecer. Mesmo se quisesse, a presença dele é tão forte e tão boa na minha vida, que eu me lembro dele todos os dias.
(Ontem ,mesmo, foi à missa na Capela de Santo Antonio. E ele me dizia que ele foi um dos que mandaram construir aquele altar. O único preservado em Palma até hoje. E que continuará assim).
Fez tudo por mim. Até me mandou, mais ou menos por volta dos meus sete anos, de volta para a casa dos meus pais (Oliveiros e Helena) para que eu não crescesse muito diferente dos meus irmãos. Eu ia e voltava todos os dias. Almoçava aqui e acolá, dormia lá e cá. Nem sei se gostava daquela vida. Só sei que valeu. Ele era também “psicólogo”. Sabia, como ninguém, me entender. Dava broncas tão de leve que eu pensava que estava brincando. Mas a bronca ficava registrada. E eu aprendia.
E me fazia estudar muito. Muito. Queria que eu fosse “ o doutor beto”. Fez muito por mim. Sou muito agradecido e feliz por isso.
Quando eu quis estudar em Miracema: fui. Quando quis ir pra Juiz de Fora: fui. Quando quis procurar emprego no Rio:fui. E tio Elias sempre no apoio.
Namorei. Trabalhei. Casei . E tio Elias sempre presente na minha vida. Fui para o Recife. Sei que ele sofreu. Mas disse que sabia que era pro meu bem. E foi.
Mas voltei. Tive minhas filhas. E ele lá, sempre brincando de vovô com as minhas filhas.
Aos domingos, pela manhã, era certa a chegada dele na minha casa, com os bolsos cheios de balas. Ele abria a portinhola da entrada da minha casa e se posicionava para que as meninas (Laila e Clarice) fossem mexer no bolso dele. Elas encontravam as balas. E riam.E ele ficava mais feliz do que elas. Já meio surdo, não perdia o bom humor.
Foi um dos melhores homens que eu conheci. Eu DUVIDO que exista alguém que possa falar algo de ruim a respeito dele. Foi bom homem, bom marido, bom tio, bom comerciante, grande amigo de todos .
Foi dele a loja que tenho hoje. Comprei dele em 1982. Contam-me que quando eu estava morando no Recife,( e tio Elias já meio esclerosado) ele ia para a loja e tinha visões: ele me via sentado no alto da prateleira de tecidos e dizia, com o carinho que lhe era peculiar: “desce daí , Beto” . E dava opinião a respeito da arrumação da loja. E falava. E falava de mim, das minhas filhas.Era a saudade que ele sentia de mim. E eu sentia muto mais dele.Quando eu soube que ele estava mal e que não viveria por muito tempo, pedi demissão lá no Recife e vim embora. Depois voltei pra lá.
E hoje estou aqui, falando dele. Com uma saudade doída. Com vontade de ver a portinhola lá de casa se abrindo e vê-lo entrando com os bolsos cheios de bala e o rosto e o coração cheios de um carinho como eu nunca vi em ninguém mais.
A foto que ilustra esse texto foi tirada na porta da Casa Azul, a loja dele.
Mas a foto mais importante está guardada pra sempre no meu coração.: ela retrata o amor, o carinho, o afeto, o companheirismo, o dar sem querer nada em troca, a caridade, a honestidade, a beleza, a candura, a ternura, a amizade, a paz,a felicidade. E tudo isso é o tio Elias.

7 comentários:

betometri.blogspot.com disse...

Sem palavras. Simplesmente emocionante...............


Ass.: Paulo Sérgio

Sonia Canellas disse...

Ja te liguei, amigo...voce sabe que nao da pra comentar... So te digo que, felizmente, tive o privilegio de conhecer nosso adoravel "Seu" Elias!

Unknown disse...

Eu também conheci o Sr.Elias, carinhoso, bem humorado e com o bolso cheio de balas.Esta foto dele me levou de volta a minha infãncia.

Cazinho

Unknown disse...

Beto meu querido,nem sei quanto tempo parei quando estava lendo....eu ouvia a sua voz do "nosso""seu"ELIAS....Como são lindas e verdadeiras as sus palavras....e como eu queria estaraí agoara pra te abraçar....pois passou um filme na minha cabeça....Quanta saudade!!!!!

Francisco Geraldo de Paula Lima disse...

Meu primo querido, parte desta história eu conhecia. Porém não me ebnvergonho Chorei,Chorei, chorei porque prezo muito o amor e o reconhecimento. Parabens vc merece tudo de bom e creia que de onde ele esta continua olhando por ti e sua familia. Abraços até breve Francisco Geraldo

Unknown disse...

Emocionante primo Beto ésta é a nossa raiz a nossa história contada vivida pelos nossos antepassados que vieram e lutaram pra vencer. É o sangue libanes

SAMUCA disse...

COISA MUITO LINDA, BETO. EU TIVE A FELICIDADE, UM ORGULHO MUITO GRANDE DE CONVIVER COM O SR ELIAS.