quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O SABOR AMARGO DO MEL



Rubão chega cedo na cidade. Chega na companhia de Chico. Mas Chico fica escondido. Ninguém pode vê-lo. Tudo está planejado. Nada pode dar errado.
Rubão desce do trem, chama o chofer de uma carro de praça e segue até a rua onde se concentra o comércio de Palma. O comércio é dominado pelos turcos.
- Turco, não. Libanês.
Essa é a reação normal dos libaneses, quando são chamados de turcos.
Rubão vai até a venda do velho Salim, onde seu filho Mário está empilhando latas de gordura de coco em cima do balcão.
- Bom dia, Seu Mário.
- Bom dia.
Rubão se apresenta:
- Seu Mário, sou vendedor e venho de Cataguases.E eu trouxe pro senhor uma mercadoria que é um brinco!. Tenho umas peças de brim kaki Floriano, um percal muito bom, manteiga de Carangola, chapéu de lebre, tecido xadrez da fábrica de Miracema e um mel...ah! esse mel. É a doçura do céu. Nunca se viu por essas bandas um mel de tão pura qualidade. E tem mais. Hoje o senhor não vai me pagar pelo mel. Vou deixar duas garrafas de amostra. O senhor experimenta e noutro dia me fala o que achou.
Seu Mário compra o que tem pra comprar. Retira dinheiro do cofre e paga. Rubão se despede. E vai.
No hotel, próximo à estação ferroviária, Chico espera a chegada do comparsa. Da janela do quarto, no andar de cima do sobrado, ele observa a cidade lá embaixo e acompanha o passar do tempo no relógio da igreja. Rubão chega. Cumprimenta Dona Marta, a proprietária. Sobe apressadamente as escadas. Troca algumas palavras com Chico. E Chico desce.
Na venda, Seu Mário abre uma das garrafas de mel e experimenta. Realmente, uma delícia. Como disse Rubão: uma “doçura do céu “.
Algum tempo depois, envergando um bem engomado terno de linho, chega Chico. A venda do Seu Mário recebe a “ilustre” visita de um “importante comerciante Campista”.
- Bom dia, senhor.
- Bom dia.
Chico diz ser um comerciante da cidade de Campos, do estado do Rio de Janeiro, e que está por estas bandas a procura de produtos “da roça” para vender na cidade. Doces caseiros, trabalhos manuais, como crochê, tricô, etc. Seu Mário oferece, então, um pouquinho de mel para o “respeitável senhor” experimentar.
- Que maravilha! Exclama, Chico. E continua: O senhor tem quantidade deste mel para eu levar?
- Aqui, no momento, não. Mas posso conseguir para o senhor. De quantos o senhor precisa?
- Dessa qualidade, a quantidade que o senhor puder arrumar. Umas cem garrafas. Ou mais. Mas,vamos fazer o seguinte. Eu vou até o restaurante da outra esquina almoçar e passo aqui depois pra saber o que o senhor conseguiu.
Chico segue até o Bar Rio Minas, enquanto Mário pega a bicicleta e sobe a Rua Dr. Victor Ferreira em direção ao Hotel. No caminho, passa pelas professoras de Palma que trabalham em Silveira Carvalho que correm pela rua em disparada. O trem já apitou na estação. Mas é todo dia assim. Elas ficam olhando os tecidos e as novidades nas lojas do Seu Elias e do Bazar Leader, folheando revistas na banca do Arnaud, até que ouvem o apito da Maria Fumaça. Só aí é que começam a correr. É nessa corrida que são ultrapassadas pelo Mário que tem pressa de chegar ao Hotel antes que Rubão vá embora.
- Dona Marta – fala Mário – eu queria falar com um hóspede da senhora, chamado Rubão.
- Aguarde um pouquinho só, que vou chamar.
Pouco tempo depois, chega Rubão. Mário pergunta sobre o mel. Fala sobre a coincidência:
- Assim que o senhor saiu da minha venda, apareceu um homem que gostou muito do mel que ficou lá pra eu experimentar. E ele quer muitas garrafas. Fiquei de me informar se teria condições de atender. É por isso que estou aqui.
-O senhor continua com sorte. Ontem, mesmo, recebi um caminhão de garrafas daquele mel. É só falar a quantidade , que amanhã mesmo eu entrego aqui em Palma.
-Bom....(Mário coça a cabeça) Pode ser que apareça mais alguém que goste tanto do mel quanto o comprador de Campos. Traz , pra mim, umas duzentas garrafas.
- Amanhã cedo vão estar aqui.
- Mas espere só até o comprador passar lá na venda. Se ele confirmar o pedido, eu te telefono em seguida.
- Eu aguardo. Até mais.
Mário desce e espera. Chico aparece. Conversam. Chico confirma o pedido de cem garrafas. Mário promete para o dia seguinte, no final da manhã.
Mário atravessa a rua e vai até o Telefone Público. Pede à telefonista que faça uma ligação para o hotel e diz que quer falar com Sr. Rubão. A telefonista pega os fios, encaixa no número do hotel e diz pro Seu Mário se encaminhar à cabine e esperar o toque do telefone.
- Pode falar, Seu Mário – diz a telefonista.
Encomenda feita, Mário se despede e aguarda.
Dia seguinte. Uma caminhonete encosta em frente à venda do Salim e começa a descarregar as garrafas de “mel”. Mário estoca as garrafas na venda, dentro de casa, na calçada...Paga. E espera o comprador.
Enquanto espera, Rubão e Chico, já em Miracema, comemoram o golpe. Dinheiro dividido igualmente entre os dois. Agora, podem ficar a toa por mais de três meses. A grana apurada permite uma folga prolongada. Afinal, encher garrafas com água misturada com açúcar é muito fácil. Difícil é o Mário conseguir se livrar da “mercadoria”.
Enquanto os dois comemoram, Mário espera o comprador.
Espera.
Espera.
Espeeeeeera.....
Palma, 10 de setembro de 2009.








2 comentários:

betometri.blogspot.com disse...

É, naquele tempo já tinha os aproveitadores da boa fé alheia. Cuidado com as amostras grátis.

Sonia Canellas disse...

Adorei a historia! Mas queria saber se nessa epoca o proprietario do Bar Rio Minas era o Seu Duarte...rsrsrsrs. Abracos.