domingo, 6 de setembro de 2009

ESTA CIDADE "DAVA"UM FILME!!


- Óia o queijo. Óia o queijoooooooo!
- Quanto é que é, seu Sebastião?
- Seis real.
- Tá fresco?
- Fresquim, fresquim...
- Me dá um.
- Pode comprar tronquilo, sô Nego, tá fresquim e é muito limpim. Eu mesmo que faço com leite que eu tiro lá no meu sitiozim.. Eu mesmo preparo, arrumo e misturo tudim. E óia, é tão limpim que quando eu cabo de fazê, minhas unha ta que é um brinco de tão limpinha.
É assim, gritando pelas ruas, que Sebastião tenta vender seus queijos nos fins de semana. De segunda a sexta ele vende picolés.
- Óia o picolé, de abacate, de mio verde, de groséia, de leite, de manga. Óia o picolé. ÔÔÔÔôôôô criançada, vem pra fora e pede pra mãe comprá um proceis.
Ele passa pela frente da casa da Dona Aparecida e ninguém quer. Ele oferece, tenta vender um picolezinho só, mas Márcio, que está na varanda sozinho não se interessa.
Sebastião vai em frente, tocando aquela buzina irritante: fon-fon-foooooonnnn. Já está em frente à casa de Paulo, o vizinho, quando um netinho de Dona Aparecida, que estava dentro de casa, vem até a varanda e fala para o Márcio que quer um picolé.
Sebastião já está uns dois metros à frente. Márcio o chama:
- Seu Sebastião. Ô, Seu Sebastião.
- Que foi? Responde , com uma pergunta, com a fineza que lhe é característica:
- Me dá um picolé de abacate.
- Agora num posso mais não. Já passei daí. Agora, só amanhã. Num dá pra vortá.
Enquanto isso, bem pertinho dali, na casa do Seu Antonio, que está meio adoentado, um senhor chega para fazer uma de suas funestas visitas. Dona Maria, quando sabe que Seu Eliaquim estava chegando, mais do que depressa, fecha a porta da sala e tranca com chave. É que dizem por aí que Seu Eliaquim já anda até com uma vela no bolso. Doente que ele visita parte dessa pra melhor na horinha.
Êê! Sai pra lá!!!
Seu Eliaquim, então, dá meia volta e por pouco não dá uma trombada com Latifa Salim, a filha do Seu Salim, da venda da esquina.
Latifa, sempre mal- humorada , vive “de mal” e às turras com Sofia, mulher do Sebastiãozinho. Como Sebastiãozinho mora perto dali, Latifa se arma com um pedaço de papelão, com o qual cobre o lado do rosto para não ver Sofia. Assim,anda sem enxergar nada nem ninguém. Empina o corpo, o nariz, vira o rosto para o lado das paredes e dos muros, e vai em frente. Numa dessas, quase derruba Seu Eliaquim.
Na esquina da Rua do Cinema , agachada , Jorgina ajeita as meias de seda que embolam nas suas pernas finas. Puxa a meia da perna esquerda enquanto a da perna direita despenca. Jorgina vai ficando nervosa. Muito nervosa, até que começa com seu tique nervoso, esfregando as mãos na nuca , repetindo sem parar:
- Tá coçando, tá doendo, tá coçando, tá doendo, tá coçaaannnndoooooo...
No meio da rua do cinema, empunhando seu inseparável guarda-chuva preto, que mais parece um urubu, Dona Corina e sua filha Filinha caminham em direção à igreja de Nossa Senhora de Fátima e quase são atropeladas pela carroça do Seu Antônio que perde o rumo olhando as pernas de uma menina que passa.
Dona Corina cumprimenta Seu Said Salim, que está na porta da venda do pai, Salim, ajeitando uns chapéus nos pregos dos portais, mas ele vocifera alguns palavrões em árabe:
- Bom dia, Seu Said.
- Hummmmm!!!! *#*#*#hummmm!!!
- Ih! Hoje o negócio tá feio, hein!? O que é que houve?
- Nada, não. Nada, não.
Dona Corina fala pra Filinha:
- Melhor deixar pra lá.
O que aconteceu foi o seguinte: na véspera, passou por aqui um vendedor com uma garrafa de mel puro, por um precinho especial. Said experimentou, deu um pouquinho pra uma freguesa, que aprovou.Levou um pouquinho pra irmã dele que até pediu o resto da garrafa pra fazer a calda de um docinho árabe que ela estava preparando.
Said voltou pro balcão, onde o vendedor o esperava. Perguntou o preço. Achou quase um milagre. Então, aproveitou. Pediu todo o estoque que o vendedor disse ter. Passado um tempinho, uma camionete encostou na frente da venda e as caixas do “mel” começaram a ser descarregadas. Atrás do balcão ficou cheio, na frente, também. Said correu em casa e pediu a irmã para arrastar a cristaleira e a mesa da sala. Encheu a sala, também. Pra chamar a atenção pra mercadoria, mandou descarregar algumas caixas na calçada. Fez as contas e até lambeu os lábios. O preço era bom demais. O lucro seria fabuloso. Já estava pensando em colocar algumas caixas no ônibus e sair pra vender em Miracema, Laranjal e Muriaé. Said pagou. Calculou por quanto iria vender. De novo, lambeu os beiços. Só mais tarde descobriu o porquê de tamanho milagre. O mel não era resultado do trabalho de nenhuma colméia. O vendedor é que era a abelha rainha, o zangão e as operárias. O néctar era água misturada com açúcar. Muito açúcar.
O resultado: “mel” .
E muitos e merecidos palavrões.
Mas, voltemos à Dona Corina. Ela e Filinha continuam sua caminhada. Com o guarda-chuva toca um cachorro. Mas, bate com tanta força, que quebra o cabo. Na volta pra casa, passam pela ladeira para deixar o guarda-chuva com o Genésio, para o conserto.
Mas, hoje é dia de Dona Corina presenciar xingamentos. Pouco depois de passar pela Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, ela já ouve os gritos da molecada, que passa pela frente da casa da Maria Salomé, quase berrando:
- Rebeca!!!Rebeca!!! Rebeca!!!
E, Genésio, com os cabelos bem pretinhos, recém-tingidos, dá um galope atrás das crianças. Elas correm e gritam mais ainda. Cruzam com um senhor de fala, repetidamente:
-Será possível? Será possível?
Ele tanto repete isso que já é conhecido por todos como “Serapossivel”. Ele passa pelas crianças e segue em direção à igreja matriz de São Francisco para visitar o filho, José, o sacristão.
José vive na casa paroquial, num quarto com entrada independente. É lá que o Zé do Padre tem uma forma, na qual ele “fabrica” hóstias que deixam retalhinhos de massa de farinha de trigo que são disputados pelas crianças que ainda não fizeram a primeira comunhão e querem saber o gostinho que tem aquela partícula .
Mas essa é uma história que fica para outro dia.




Palma, 04 de setembro de 2009.

4 comentários:

Unknown disse...

Remeter-nos a esse tempo magico e´ vivenciar a quietude, a pureza e a inocencia de um momento que ficou pra tras. obrigado meu amigo, por me fazer viajar nesse tempo/espaço. RONALDSON MOIÁ

betometri.blogspot.com disse...

Dá um filme e dos bons. Drama, comédia e terror, numa película só. Película já é coisa do passado, não podia ser diferente.

Ass.: Paulo Sérgio.

betometri.blogspot.com disse...

Essa do vendedor de picolés, que se passou do lugar, não volta mais, prá vender um picolé, me faz lembrar uma história que escutei sobre uma dona de bar, que fez cochinha de galinha prá vender. Chegou uma pessoa e comprou todas e ela como vendedora reclamou dizendo: Era pra vender aos poucos, agora vou ter que voltar prá cozinha e fazer tudo de novo!!!

Ass.: Paulo Sérgio.

Unknown disse...

Há um tempo para tudo:de nada serve antecipar,nos melhores anos da nossa vida,as preocupações que fatalmente nos assolarão na idade adulta.São tantas as recordações maravilhosas e fatos engraçados que seria difícil lembrar e enumerar todos.Mas você consegue meu caro amigo.Parabéns por tudo que escreve,com tanta sabedoria e detalhes.Beijos.
Letica.