Manhã de domingo. Tia Ward abre as janelas da sala de estar.
Da cozinha vem um cheiro de pão assado. O grão de bico já está cozido. na
panela. Lmão, tahine, alho e sal. Amali
traz cadeiras para a sala. No meio da sala uma pequena mesa.
Na casa de Elias e Maria o cheiro de quibe. O óleo está no
fogo. Uma travessa sobre a mesa cheia de quibe cru. Muita cebola cortada.
Salomão e Nazira juntam todas as cartas numa caixa.
Na residência de
Hélcio Marcenes ( o único brasileiro desta
história), um imenso gravador de
fita. Hélcio se prepara para ir para a casa de tia Ward e tio Latuf.
Aos poucos, as pessoas vão chegando. Málaqui e Laila, Feres e Amélia, Sahid
Chicre, Pedro Chicre , Soraia e
Jorgette, Alida, Odette e Chafia, Burbara e Manira, Mário Simão, Nacib , Elias e Maria, Laila e
Helena, Málaque Mansur,Salomão e
Nazira, Mário Simão...
Os moradores da rua Dr. Victor Ferreira curiosos com o
movimento de pessoas.
Hélcio chega com o gravador.
Todos entram na casa de tia Ward e se acomodam nas cadeiras
da sala. Parece que estamos no Líbano. Ninguém mais fala a língua portuguesa.
Hélcio fica meio atordoado. Nege (filho de Ward)socorre Hélcio.
Salomão começa a ler as cartas. Da “terra” chegam notícias.
O primo Phillipe, filho de tio Wadih(irmão de Málaqui, Salim, João e José), que
mora em Kfarqatra, é quem manda notícias.
Muito riso. Muito
choro. Choro e hommos. Riso e quibe. E mais cartas. Gargalhadas com
lágrimas. Pranto com risos. Um afago. Um
carinho. Um olhar. Olhares que se cruzam. É uma festa.
Eu quase tropeço no fio do gravador. Procuro entender o que
falam. Nada. As únicas palavras que repetem muito são “Mactub”, e algo parecido
dom “Bilibbeid”
Hélcio liga o gravador.
E coloca para rodar
uma fita que chegou do Líbano pelo correio. Todos se calam. Somente o som do gravador. Vovó Málaqui com os olhos cheios de lágrimas. Chora em
silêncio num canto da sala. A voz no gravador é de Phillipe, um sobrinho muito
amado. Outras vozes se juntam à
Phillipe. E todos choram. E todos riem. e todos falam. E todos se calam.
E todos comem. E todos choram. E a fita
roda. As notícias são boas. Mas todos choram.
Quibe, homos, pão e
choro.
Brasileiros, palmenses, curiosos se amontoam na janela
da casa de tia Ward para ver os "turcos" rindo e
chorando. E pensam: "Quem é esta gente que come, fala, ri e chora ao mesmo tempo?"
Mas, o coração de
cada libanês está apertado e sofre dentro do peito.
Hélcio coloca um nova fita no gravador.
Salomão começa a
falar. As palavras mais frequentes são PHILLIPE
e KFARQATRA. Os olhos de Salomão
se enchem de lágrimas. Nazira lhe entrega um lenço. Um a um, cada um
começa a falar. E chora. E ri.
E fala bem alto no microfone.
Depois, Salomão se
senta À mesa da sala de jantar. Lá, ele escreve cartas. Bem no estilo do filme
“Central do Brasil”.Um a um chega na sala, senta-se ao lado de Salomão e conta
as notícias. Salomão é o unico que sabe escrever em árabe. É também o único que
sabe ler
No dia seguinte,
segunda feira de manhã, Salomão envia a
fita e as cartas para Phillipe. No Líbano, imagino, tudo deve acontecer da mesma forma.
Phillipe envia muitas
notícias para todos. Todos os meses, todos aguardam ansiosos o pacote que vem
pelo correio. Quando as cartas e a fita chegam, Salomão marca um novo encontro.
e tudo recomeça.
É assim que a alegria de viver se renova nos libaneses que
vivem em Palma.
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