sábado, 7 de setembro de 2013

SAUDADE DA TERRA (UMA HOMENAGEM AOS LIBANESES QUE ESCOLHERAM PALMA COMO SEGUNDA "TERRA")

Manhã de domingo. Tia Ward abre as janelas da sala de estar. Da cozinha vem um cheiro de pão assado. O grão de bico já está cozido. na panela. Lmão, tahine, alho e sal. Amali  traz cadeiras para a sala. No meio da sala uma pequena mesa.
Na casa de Elias e Maria o cheiro de quibe. O óleo está no fogo. Uma travessa sobre a mesa cheia de quibe cru. Muita cebola cortada.
Salomão e Nazira juntam todas as cartas numa caixa.
Na residência  de Hélcio Marcenes ( o único brasileiro desta  história),  um imenso gravador de fita. Hélcio se prepara para ir para a casa de tia Ward e tio Latuf.

Aos poucos, as pessoas vão chegando.  Málaqui e Laila, Feres e Amélia, Sahid Chicre, Pedro Chicre ,  Soraia e Jorgette,  Alida, Odette e Chafia,  Burbara e Manira,  Mário Simão, Nacib , Elias e Maria, Laila e Helena, Málaque   Mansur,Salomão e Nazira, Mário Simão...
Os moradores da rua Dr. Victor Ferreira curiosos com o movimento de pessoas.
Hélcio chega com o gravador.
Todos entram na casa de tia Ward e se acomodam nas cadeiras da sala. Parece que estamos no Líbano. Ninguém mais fala a língua portuguesa. Hélcio fica  meio atordoado. Nege  (filho de Ward)socorre Hélcio.
Salomão começa a ler as cartas. Da “terra” chegam notícias. O primo Phillipe, filho de tio Wadih(irmão de Málaqui, Salim, João e José), que mora em Kfarqatra, é quem manda notícias.
 Muito riso. Muito choro. Choro e hommos. Riso e quibe. E mais cartas. Gargalhadas com lágrimas.  Pranto com risos. Um afago. Um carinho. Um olhar. Olhares que se cruzam. É uma festa.
Eu quase tropeço no fio do gravador. Procuro entender o que falam. Nada. As únicas palavras que repetem muito são “Mactub”, e algo parecido dom “Bilibbeid”
Hélcio liga o gravador.
 E coloca para rodar uma fita que chegou do Líbano pelo correio. Todos se calam.   Somente o som do gravador. Vovó Málaqui  com os olhos cheios de lágrimas. Chora em silêncio num canto da sala. A voz no gravador é de Phillipe, um sobrinho muito amado. Outras vozes se juntam à  Phillipe. E todos choram. E todos riem. e todos falam. E todos se calam. E todos comem. E todos choram. E a fita  roda. As notícias são boas. Mas todos choram.
Quibe, homos, pão  e choro.
Brasileiros, palmenses, curiosos se amontoam na janela da  casa de tia Ward  para ver os "turcos" rindo e chorando. E pensam: "Quem é esta gente que come, fala, ri  e chora ao mesmo tempo?"
Mas,  o coração de cada libanês está apertado e sofre dentro do peito.
Hélcio  coloca um  nova fita no gravador.
 Salomão começa a falar. As palavras mais frequentes são PHILLIPE  e  KFARQATRA. Os olhos de Salomão se enchem de lágrimas. Nazira lhe entrega um lenço. Um a um, cada um começa  a falar. E chora.  E ri.  E fala bem alto no microfone.
 Depois, Salomão se senta À mesa da sala de jantar. Lá, ele escreve cartas. Bem no estilo do filme “Central do Brasil”.Um a um  chega  na sala, senta-se ao lado de Salomão e conta as notícias. Salomão é o unico que sabe escrever em árabe. É também o único que sabe ler
 No dia seguinte, segunda feira de manhã, Salomão  envia a fita e as cartas para Phillipe. No Líbano, imagino,  tudo deve acontecer da mesma forma.
Phillipe envia  muitas notícias para todos. Todos os meses, todos aguardam ansiosos o pacote que vem pelo correio. Quando as cartas e a fita chegam, Salomão marca um novo encontro. e tudo recomeça.

É assim que a alegria de viver se renova nos libaneses que vivem em Palma.

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