Rosa sempre foi uma menina bonita. Por onde passava, era
para ela que os olhares convergiam. Despertava simpatia e inveja. Provocava
ódio e grandes paixões. Despercebida, nunca.
Foi assim na infância e na adolescência .
Mocinha, conquistou
corações. O mais afoito, Cristiano, debulhou-se em elogios e palavras
bonitas, com tanta finesse e galhardia,
que Rosa se desmanchou por ele. E se apaixonou. E se apaixonaram.
Mas a cidade de Palma era
pequena demais para tanto amor. Enquanto o tempo passava devagar e as horas às
vezes até pareciam paradas, a
paixão de Rosa e Cristiano era
avassaladora. E o casamento teve sua antecipação anunciada. Correria desatinada
para o enxoval, o dote, o vestido. Mas
não podia demorar. Rosa provava o
vestido hoje e amanhã ele já estava meio apertado. As formas arredondadas da
noiva não podiam ser percebidas. Cristiano
no alfaiate. Rosa na costureira. O pai de Rosa combinando com o vigário. A mãe de Rosa caprichando nos
lençóis e toalhas.
Chegou o dia do casamento. Uma
chuvinha fina acalmou os ânimos.
Dona Lourdes forçou os pedais e o harmônio da igreja
encheu o ar com o som da marcha nupcial.
Dona Iolanda já limpava a garganta para entoar a Ave Maria, quando Deoclécia,
vestida de anjinho, entrou pelo centro da igreja levando uma cestinha com as
alianças.
Rosa disse sim. Cristiano
confirmou com outro sim. Ninguém era bobo de se manifestar quando o vigário
perguntou se havia alguém que sabia algo que pudesse evitar o matrimônio. Bênçãos
finais. Cumprimentos. Festa no terreiro da fazenda dos pais de Rosa.
Ponche de frutas para os adultos e groselha para as crianças. Bolo de três
andares. E Champagne para os noivos. Mas Rosa só brindou e não bebeu. Um enjoo
lhe subiu até a garganta e quase divulgou o indivulgável.
Sete meses depois,
“prematuramente’ Rosa deu à dois meninos, Abílio e Acrísio.
Parecia que a felicidade era
moradora constante daquela casa.
Mais um ano e Rosa trouxe
ao mundo uma linda menina; Creuza.
Tudo ia muito bem , até que um
circo apareceu em Palma. Tudo era
encantamento. Os rapazes se acotovelavam para verem a rumbeira e a menina que
andava no arame. As moças quase que se rasgavam
pelo palhaço quando ele tirava a fantasia..
Mas o palhaço se encantou pela mulher errada: Rosa.
E tanto fez que Rosa também
caiu de encantos por ele.
Do alto do trapézio ele a fuzilava com os olhos.
Do meio da plateia Rosa quase
o derrubava com o olhar.
Até que chegou a noite do
último espetáculo.
Hoje tem marmelada?
Tem , sim senhor......Abílio,
Acrísio e Creuza gritavam atrás do palhaço.
E o palhaço, o que é???
Abílio, Acrísio e Creuza
respondiam animados:
- É LADRÃO DE MULHER.
À noite, findo o espetáculo,
Renato – este era o nome do palhaço, encontrou-se com Rosa.
- Rosa , venha embora comigo.
-Não sei se devo, Ricardo.
- Mas você não disse que me
ama!
- E amo mesmo.
- Então, vem comigo.
- Mas tem as crianças.
- Tem muita gente que quer...
- Não sei se devo... nem sei
se tenho coragem...
- Elas vão ficar melhor do que
aqui no circo.
-Amanhã a gente conversa....
Cristiano vem vindo...
- Então, até amanhã...
Rosa não conseguiu dormir.
Pensou... pensou... pensou... chorou... chorou... pensou...
- Como é que eu não pensei
nisso antes – Pensou Rosa
De manhã, bem cedinho, foi até
o Hotel Santos, pertinho da prefeitura, falar com Seu Santos. A irmã dele, que
morava na Bahia, estava em Palma. Ela e o marido há muito vinham tentando ter filhos e nada.
Santos chamou Henriqueta e ela disse que ficava com os meninos. Rosa voltou
para casa e disse para Cristiano:
- Acabou, Cristiano. Não dá
mais. Não aguento mais. Vou embora com as crianças para o Rio de Janeiro. E nem
adianta pedir ... eu não volto atrás. Vou e pronto.
Juntou algumas pecinhas de
roupa numa bolsa. Fez as malas das crianças. Chamou um carro de praça. E nem
olhou para trás.
Passou pelo hotel e deixou os
meninos. Lá também ... saiu e nem olhou para trás.
Com Creuza no colo foi em
direção ao circo.
- Não dá pra levar esta menina
– falou Ricardo.
- Não achei quem queira ficar
com ela
- Dá um jeito.
Ela, num rompante, virou-se
para Seu Edson que passava por ali e disse:
- Seu Edson... tome conta da
Creuza por uns tempos. Volto pra pegar
ela daqui a alguns anos.
Com Seu Edson era um homem
bom, caridoso, nem questionou. Ele e Dona Terezinha não tinham filhos. Quem
sabe – pensou ele – a Terezinha não se anime e ficamos com a Creuzinha para
sempre?!?!
Mas não foi o que aconteceu.
- Cê tá maluco, homem!!!! Falou
Terezinha
- Mas Terezinha, é só por uns
tempos....
- Nem um tempo, nem meio
tempo. Não quero e pronto. Depois a Rosa volta e pega a menina. E como é que a
gente vai ficar????? Pede pra Mulata ficar com ela.
E Mulata aceitou. Criou Creuza
como se fosse dela.
O tempo passou... passou...
passou...
..............................................................................................................................................................................
Dezoito anos se passaram.
No expresso que veio do Rio,
desceu Rosa com cinco crianças. Dois meninos e três meninas...Jacinto,
Januário, Dalvinha, Celeste e Filomena.
O casamento com Ricardo
desmoronou. Numa cidadezinha do Espírito Santo ele roubou a mulher do prefeito.
Mais nova, mais bonita e sem filhos. Deu algum dinheiro para Rosa , comprou
passagens num trem para o Rio de Janeiro. E lá se foram , Rosa e as crianças.
Ainda bem que Rosa não tinha
medo de trabalho.. Lavava e passava como ninguém! Cozinhava e sal comida era
cheirosa e saborosa. Do Rio veio para Palma e se instalou com as crianças numa
casinha bem perto da máquina de arroz e
começou a dar pensão (servia marmitas) e a lavar roupa pra fora. Dalvinha e
Celeste começaram a trabalhar em casas
de família e Filomena foi ser balconista
na venda do Seu Michel. Januário conseguiu emprego na Leopoldina e
Jacinto....ah! o Jacinto, foi ser
bilheteiro no cinema da cidade. E lá ele conheceu Creuza. E se apaixonaram. Mas
, como Mulata era muito exigente, começaram a namorar às escondidas. Creuza ia
para o cinema. Quando começava a sessão, Jacinto fechava o guiché e se
encontrava com ela no escurinho e namoravam.Eles se apaixonaram. Eles se
amaram. Fizeram planos. Sonhavam com uma cerimônia de casamento com muitos
convidados. Sonhavam com filhos. E eram
felizes.
Mas, numa cidade pequena nada
fica escondido por muito tempo. Mulata descobriu. E se desesperou. Chamou Rosa.
E Rosa também se desesperou. Chamaram Creuza. E Creuza também se desesperou.
Foram todas falar com Jacinto. E ele também se ... Não... Jacinto não só se
desesperou... ele enlouqueceu.
- Não pode ser. Creuza não
pode ser minha irmã.
Mesmo descobrindo isto o amor
não passou... a paixão não diminuiu... e Jacinto começou a definhar.
- Eu quero morrer – lamentava.
Mas era fraco demais para por
fim à sua vida.
Mas era forte demais para
planejar um fim para sua vida.
Jacinto molhava os cabelos à
noite com água fria.... Tomava banho quente e em seguida saía sem camisa para o quintal nas
noites de inverno... Uma gripe forte.... febre... paixão doendo no coração....
pneumonia.... amor crescendo no peito... não comia... e a dor lhe apertava o coração... tossia...
tossia... uma anemia lhe enfraquecia o corpo... e o amor se fortalecia... e
veio uma tuberculose... e Jacinto definhou...definhou... definhou... até morrer
de amor.
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