quinta-feira, 9 de abril de 2020

NAGIB, UM HOMEM DE PALAVRA!

Palma ainda era conhecida como Vila do Capivara quando os primeiros “turcos” começaram a chegar. O passaporte turco lhes escondia a verdadeira nacionalidade. Eram, como eles diziam, sírios-libaneses.
Sahid Maluf foi o primeiro a chegar. Casado com Naziha, assim que chegou, com o pouco dinheiro que tinha, abriu uma quitanda. Daí para um armazém de secos e molhados não demorou muito. Os filhos começaram a vir e os lucros também. Sahid tornou-se um próspero comerciante. Sua venda tinha de tudo um pouco: tecidos finos, brasileiros e importados, secos e molhados,  ferragens, armarinho e todo tipo de quinquilharia. Sahid enricou. Naziha era mulher de cama, mesa, fogão e balcão.
O tempo passou e Sahid escreveu uma carta para o os irmãos que moravam no Monte Líbano, numa pequena aldeia nas montanhas. Lá estavam seus pais , três irmãos e uma irmã: Khalil, Youssef, Nagib e Latife. Assim que eles receberam a carta e se encantaram com a prosperidade de Sahid, começaram a preparar a vinda para o Brasil. Latife estava casada de pouco, grávida pela primeira vez, e seu marido Feres se juntou aos cunhados para virem tentar a vida do outro lado do mundo. Latife ficaria em Deir el Qamar, onde os pais permaneceram,   até que Feres se estabilizasse no Brasil.
Assim foi feito.
Passagens compradas.
No Porto de Beirute o adeus.
Lágrimas e a esperança de dias melhores, longe da guerra e das perseguições . Se o Mediterrâneo era um “mundo”, o Atlãntico era temível. A tragédia do Titanic era recente.
Mas, chegaram ao Porto do Rio de Janeiro. O trem da Leopoldina Railways os trouxe para o interior de Minas Gerais. Uma nova vida se iniciava.
Em Palma, Sahid já se tornara , também, um grande comerciante de café. A chegada dos irmãos e do cunhado viria aliviar um pouco a quantidade de trabalho para ele e Naziha. E os irmãos Maluf se tornaram, em pouco tempo, os maiores comerciantes da região. Isto  provocou a ira e a inveja de alguns nativos.
Juca Rodrigues sentiu-se o mais prejudicado com o progresso dos “turcos” pois seus negócios que se espalhavam pelos distritos de Silveira Carvalho e Cachoeira Alegre começaram a “minguar”. A culpa era dos irmãos turcos.
Latife havia chegado há pouco  coma filha , Jamel. Youssef casara-se com Sahda e Khalil estava casado de pouco com Helena. Somente o caçula, Nagib, continuava solteiro.
Juca Rodrigues , já amargando um grande prejuízo, concluiu que a solução seria dar um susto nos turcos e contratou um matador para resolver o problema, eliminando pelo menos um dos irmãos.
Numa noite, quando os irmãos Maluf voltavam, a cavalo,  de uma fazenda lá pros lados de Banco Verde, eis que numa curva da estrada, já pertinho da Congelação, ,salta na frente deles o matador, com uma  carabina apontada para a cabeça de Youssef. Khalil, rapidamente, pega a espingarda que trazia junto ao arreio e atira, sem dó nem piedade no matador, para defender o irmão. O matador cai morto. E agora? O que  fazer? “Turcos”, mesmo endinheirados, não tinham privilégios nem quem os defendesse quando, numa briga ou demanda estivesse um brasileiro. Se Khalil for preso, quem cuidará de Helena? A solução, para evitar maiores transtornos, seria Nagib assumir a culpa e fugir. Nunca diria para ninguém quem fora o verdadeiro assassino. Assim foi feito.
Nagib juntou uma muda de roupa, pegou algum dinheiro e se embrenhou no mato. A polícia procurou e não o encontrou. De Palma para Juiz de Fora. De Juiz de Fora para o Rio. E, num navio que zarparia naqueles dias, partiu de volta para Deir el Qamar.  Voltou para perto dos pais, mas ficou para sempre longe dos irmãos.
No Brasil ficaram quatro, que também jamais reviram sua terra natal e seus pais. Triste a vida de quem fugia pelo mundo, deixando a terra natal e a família em busca de  dias melhores.
O tempo passou.
Estamos em 2016.
Uma excursão leva  um neto de Youssef ao Líbano. Lá ele vai conhecer Deir el Qamar e dois filhos  de Nagib  e familiares que ainda vivem lá.   Passeando por Deir el Qamar com  Antony, um dos netos de Nagib, Youssef, neto de Youssef, pergunta  como foi a vida de Nagib. Antony conta que foi uma vida, inicialmente, de muito sacrifício, pois Nagib, quando chegou do Brasil ainda pegou o Líbano numa situação  muito ruim. Nem país era. Mas ele se casou , teve filhos, netos, construiu um patrimônio com o que herdou dos pais e com o próprio trabalho. E morreu tragicamente quando, ao consertar um velho caminhão, o veículo caiu sobre ele, esmagando-o. Foi aí que Antony falou que o avô teve vontade de voltar ao Brasil, mas não o fez porque ele havia assassinado um homem quando  estivera em Palma. Youssef , então, perguntou se Nagib nunca contara que ele não matara ninguém. Surpreendido com a pergunta, Antony pediu que Youssef explicasse melhor.    Youssef contou a história verdadeira para um Antony cada vez mais espantado com a versão brasileira. Nagib mantivera a promessa de não dizer para ninguém quem fora o verdadeiro assassino, mesmo estando tão distante, mesmo que toda a família dele acreditasse que ele matara um homem quando viveu no Brasil.
Antony voltou do passeio aliviado. Youssef  ficou feliz por ter contado a verdade.  E Nagib teve, mesmo que tardiamente, sua memória aliviada do peso de uma morte que carregou por toda a vida.


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